Entrevista com o cineasta Caco Souza

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Caco Souza já fez curtas e documentários, além de filmes de publicitários. 400 contra 1 – Uma história do crime organizado marca sua estréia com a ficção. Leia a seguir uma entrevista com o cineasta que foi cedida para a imprensa:

Como tudo começou, o primeiro estalo, a primeira ideia?
Caco Souza: Na verdade, no início da década de 90, comecei a fazer documentários que retratavam a violência. Meu interesse pelo assunto é antigo. Depois veio a ideia de fazer um filme de ficção sobre o Bandido da Boca do Lixo, aqui de São Paulo, o Hiroíto de Moraes Joanides, que não rolou. O diretor Flávio Frederico acabou fazendo um filme sobre ele, depois. Com este projeto eu acabei me interessando mais por este conceito de bandido de classe média. Na fase de pesquisas deste filme que não fiz, encontrei o livro “400contra1”, do William da Silva Lima.

Que ano foi isso?
Caco Souza:
2002. Eu li o livro, fiquei apaixonado pela história dele e comecei a procurar a forma de obter os direitos. William estava preso em Bangu 3, na época. Eu conversei com a Simone, esposa dele, batemos um papão longo, ela achou super bacana a ideia, e me disse que o William queria me conhecer, para saber se rolava uma empatia, confiança. Fui ao presídio conhecê-lo em junho de 2002. Nos encontramos, conversamos bastante, e eu percebi que ele era uma pessoa super preparada, alguém que tem essa vivência de ficar num cárcere por 36 ou 37 anos e que tem uma reflexão muito importante desse universo. Saí de lá com a promessa dos direitos do filme.

Foi nesta ocasião que você fez o curta “Senhora Liberdade”, sobre o William?
Caco Souza:
Não. Esta primeira vez foi mesmo só para conversar. Depois disso eu ainda fui umas quatro ou cinco vezes para me encontrar com ele, para a gente levantar pesquisa, começar o roteiro. A entrevista que rolou para o “Senhora Liberdade” foi em 2004, já em um outro momento, em outro lugar, no presídio Ari Franco.

As pesquisas para o longa originaram o curta?
Caco Souza:
Fora a primeira vez que foi só para a gente se encontrar, sempre que eu ia conversar com ele eu levava uma câmera para registrar tudo. Gravei bastante coisa…eu começava assistir, via o material, percebia o jeito como ele falava, que ele era muito empolgado. E aí veio a ideia do curta “Senhora Liberdade”. Levei o equipamento de 35mm e fizemos tudo dentro do Ari Franco. Acabou sendo tenso e engraçado ao mesmo tempo, pois ali tem três facções do Rio de Janeiro no mesmo espaço. E a gente com um monte de equipamento de cinema, aquele monte de coisa… enfim. Foi super divertido e rolou um filme, mas a relação com o William foi construída ao longo desses anos, tudo sempre com autorização da Secretaria de Assuntos Penitenciários, que desde o início apoiou o projeto. A relação foi amadurecendo, assim como a ideia de encarar contar a história dele numa ficção no cinema.

Em que momento que ele fugiu? Qual é a situação do William?
Caco Souza:
Ele é foragido. Fugiu em 2008.

Você já tinha terminado a pesquisa?
Caco Souza:
Ah sim, já estávamos em produção. Ele fugiu após 37 anos de cadeia num país que a pena máxima é de 30 anos. Ele acredita que não deve mais nada à Justiça, e certamente tinha a consciência de que, como fundador do Comando Vermelho, ele jamais seria libertado.

Em que momento você visualizou o Daniel de Oliveira para fazer o papel?
Caco Souza:
É super engraçado. Fiz o primeiro filme da carreira do Daniel e depois nunca mais o vi. Era um filme publicitário. Nunca mais tinha ouvido falar dele quando de repente eu assisto “Cazuza – O Tempo Não Pára” e penso: “Eu conheço esse cara!”. Ali eu vi um ator super preparado, super profissional e acabamos retomando o contato no Grande Prêmio TAM do Cinema Brasileiro, onde ele concorria com “Cazuza” e eu como diretor de “Senhora Liberdade”. Foi quando eu pensei que ele seria perfeito para o papel do William. Acho o Daniel um dos melhores atores dessa geração.

Onde foram as filmagens de “400contra1”?
Caco Souza:
Precisávamos de um presídio que mantivesse as características dos anos 70, pois o Cândido Lins, da Ilha Grande, onde tudo realmente aconteceu, já tinha sido implodido. E precisávamos também que ele tivesse desativado, em condições de filmar. Encontramos as condições ideais no Presido do Ahú, em Curitiba, que tinha uma ala desativada e uma ala em regime semi-aberto. Ele mantinha ainda a sua forma original, não tinha sido descaracterizado, e como era um presídio da mesma época do Cândido Lins, foi perfeito, pois pudemos ficar lá no nosso canto, ocupando o espaço, sem ter que mexer em nada, com as luzes, os pré-lights tudo pronto. Filmamos também algumas cenas externas de assaltos a banco em Curitiba. Achamos ali até uma calçada que parecia com Copacabana. Filmamos também no centro do Rio e no Morro Dona Marta, além de externas na própria Ilha Grande, onde era o presídio original.

Você optou pela RED, uma câmera na mão em estilo semidocumental. Como você visualizou estilisticamente o “400contra1”?
Caco Souza:
Optamos pela RED 4K pela possibilidade que a gente tinha de rodar mais, de conseguir uma câmera de qualidade próxima ou até igual a do 35mm. Quem vê o filme projetado tem dificuldade em dizer se ele foi feito em película ou em cinema digital. Como a gente queria uma atuação mais naturalista, onde os atores tivessem mais concentração no conteúdo do que eles deveriam dizer, e não simplesmente em decorar falas, eu entreguei o roteiro para eles sem diálogos. Eles entendiam a essência da história e desempenhavam seus papéis. Tudo contando também com a excelente preparação de atores feita pelo Christian Duurvoort. Além dos atores profissionais, o filme contou também com a participação de 35 internos da Colônia Penal Agrícola do Paraná. Lá na colônia penal, com os presos de verdade, todos compreenderam qual era a função de cada um dentro daquela história. E eu precisava tanto do naturalismo, como do improviso. Eu não quis marcar cena tipo “entra daqui, sai dali”. Neste sentido a câmera digital também me favorecia, porque eu podia rodar mais e experimentar mais. Conversei muito com o Rodolfo Sanchez, o diretor de fotografia. Não queríamos um filme de prisão “bonitinho”, com luz, contra-luz, tudo recortadinho. Na minha visão de documentarista, a luz tinha que ser a mais naturalista possível, e com o senso de realidade da câmera na mão. Esse trabalho do Rodolfo foi muito importante, no sentido de só reforçar aquilo que já existe, sem criar uma artificialidade na fotografia. A câmera na mão é mais participativa. Eu não gosto de câmera nervosa, nunca gostei, acho que o movimento deve ter uma função e a gente queria que essa câmera fosse um pouco parte da visão do espectador, como se ele tivesse colocado o olho no visor.

Ou seja, é a sua experiência de cinema documental levada pra ficção?
Caco Souza: São as duas coisas. Eu trabalho com este estilo de cinema documental, mais artesanal, muito na raça, onde você tem que segurar a barra. Mas por outro lado trabalho com publicidade, onde você tem tudo que o cinema documental não tem, e muitas vezes o que o cinemão também não tinha. Na verdade, essas duas experiências são fundamentais para construir a história do jeito que está lá.

Qual a sensação de estrear na ficção?
Caco Souza: Muito boa! Foi uma luta. Tentando, batendo de porta em porta, pedindo, mostrando que a gente sabia fazer. Que a gente tinha uma boa história para contar e que sabia como contar essa história. A gente se preparou, eu me preparei intelectualmente, lendo, pesquisando, vivendo esse universo, o Nelson Duarte, produtor, se preparou para que o filme tivesse a envergadura que ele alcançou. Ver o filme pronto é muito gratificante. Eu estou super feliz, com uma expectativa enorme pela estreia.

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